sábado, 30 de julho de 2016

Antítese.

Congelo.   
Meu corpo se tornara uma casca morna e fina onde, por dentro, há frio absoluto.
Congelo por dentro numa intensidade em que a menor temperatura ambiente possível jamais conseguiria tornar meu corpo, de alguma forma, isotérmico.
Meu interior tem seus espaços inteiramente preenchidos entre o gelo e o vazio. O nada e o frio dominam minha existência de tal maneira que qualquer mínimo sinal de calor é perdido e se torna apenas uma extensão daquilo que é gelo; qualquer mínimo sinal de matéria é engolida pelo vazio até que sua existência se torne nula. Meu exterior, composto por uma fina, frágil e morna camada de existência que funciona como capsula de meu frio buraco negro.  

Buraco negro.  
Suga todo resquício de matéria e consistência que já existiu e possa vir a existir dentro de algo que um dia fui eu. Extorque tudo aquilo que possa haver em meu interior de tal forma que a única sensação palpável que vem de meu interno é a pressão que meu vazio faz sobre meus ossos. Meu esterno, minhas costelas, minha escápula e cada uma de minhas vértebras convivem com a constrição constante causada pelo vácuo que me preenche.  
Ossos.  
Meus ossos são os resultados sólidos da pressão ocasionada por meu vazio. Constituídos por uma massa concreta da mistura entre gelo, melancolia, lugubria e os fósseis do que um dia fora minha existência inteiramente tangível. Tudo o que há de consistente em meu corpo é composto pelo petróleo de meu próprio passado. Meus ossos são fantasmas do que antes que já fui.   

Mesmo naquilo em que existo, não existo.  
Tudo o que era, deixei de ser. Tornei-me uma sombra vaga, produzida pela memória daquilo que já fuiMarcada por uma existência tão incompleta e inconsistente que não pode ser explicada por nada além de antíteses. Tornei-me uma antítese quando deixei de me tornar algo minimamente corpóreo. Meu tudo é incessantemente dominado por nadas até que, inevitavelmente, não haja mais tudo em minha existência e eu me torne a materialização daquilo que realmente sou.  
Vazio. 

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Circo.

O mundo é uma grande tenda de circo.
Um patético e macabro circo onde seu ponto principal é o show de horrores, repleto das mais diversas aberrações; mulheres gordas e barbadas, crianças grandes e pequenas, gêmeos siameses e adolescentes que gostam de morrer. Palhaços desesperados por atenção fazendo malabarismo com espinhos venenosos e transformando sua maior dor e miséria em diversão e distração. Acrobatas descalços na corda bamba e fina que corta seus pés mais profundamente a cada passo. Não desistem, pois estão sobrecarregados de expectativas alheias sobre andar na corda e completar seu caminho. A dor não importa, cumpra seu objetivo. A corda bamba, fina e trêmula em que alguns caem em sua trajetória. Mas é um circo falho, pois não há rede embaixo da corda para manter seu corpo seguro após a queda. Roupas coloridas e sorrisos vermelhos brilhantes, tudo para disfarçar a massa cinzenta que abrange até as mais distantes mentes. Sinos, risadas e piadas para encobrir o fato de que os interiores são de palhaços tristes. Palhaços deploráveis a cada momento mais envenenados. Entorpecidos pelo desespero e desfocados na grande névoa de miséria que abrange o grande circo. Macacos hipnotizados e manipulados, como grandes marionetes fazendo o necessário para entreter e agradar a platéia. Pois até o apresentador tem seus momentos de platéia. Alguns, apenas isso; platéias eternas e estáticas observando e aplaudindo o palhaço narcótico, o acrobata ferido, o adolescente suicida. Pessoas de má sorte que observam e aplaudem os piores que si. O desespero alheio como válvula de escape para seu próprio.
O mundo é uma grande tenda de circo, e segue um fluxo. Siga-o, vire platéia. O contrarie e se torne a mais nova aberração. Apresentada ao público pelo grande malevolente apresentador, sempre com um sorriso costurado e uma cartola na cabeça. A principal peça do jogo e centro do sadismo. O mundo é uma grande e sádica tenda de circo, onde seu show não tem hora para o fim.

O show acaba quando acaba você.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Suicídio.

Foi suicídio quando me olhei no espelho e tomei consciência do quão deformada, defeituosa e gorda minha face é e sempre foi. Um erro visível e latente. Ofensa à estética. Foi suicídio quando olhei para baixo e tomei consciência da quantidade de gordura e defeito acumulados em todo meu corpo. Como uma mutação disfarçada do porco mais feio e suculento. Quando olhei ao meu redor e tomei consciência que tenho a carcaça mais incompleta, nojenta e errada que já observei.  Quando tomei consciência que minha existência é um fardo, meu corpo é um fardo e minhas necessidades não passam de um mero estorvo àqueles a minha volta. Um peso morto, vivo. Foi suicídio quando olhei para trás e tomei consciência que toda a minha vida se resumiu a uma tentativa ínfima de tornar meus pensamentos e condição de existência algo menos lúgubre e perdedor. Quando tomei consciência que com cinco ou dez anos estive na mesma condição, enterrada por baques e decepções. A criança que não tinha amigos e a adolescente que gostava de morrer. Foi suicídio quando tomei consciência que nunca fui e serei plenamente feliz, pois o erro está em mim. Defeito de fábrica. Quando tomei consciência que o problema não é aqueles a minha volta ou o local físico em que estou, mas sim eu. O defeito está em mim. O defeito sou eu. Estorvo ambulante que causa miséria a tudo que toca. A miséria sou eu. Foi suicídio mental, morta por dentro e viva por fora. Sorriso estúpido costurado em uma face que nem mais chora por dentro, pois não sente. Quando sinto, dor. Um ódio de mim mesma tão latente que me cega a tudo que seja meramente positivo. Um eu interior tão odioso e miserável que afoga todas as tentativas de resquícios de uma vida feliz. Um eu interior tão podre e narcótico que me caça, me observa e me toca. Seu toque entorpecente; queima e escurece tudo aquilo que brilha. Transforma o brilho de euforia em um sulco negro de penúria psicológica. Um eu interior tão tóxico que mata a mim e a si mesmo com seu simples toque. Morta por dentro. Vítima de sua própria psicose. Carcaça ambulante e efêmera seguindo uma linha invisível em rumo ao descanso físico. Não é suicídio se a alma está morta.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Sorria.

Sorria. Conserte seus dentes. Brancos e retos. Sorria. Conserte suas imperfeições. Seja bonita. Rosto magro. Maquiagem. Cirurgia. Nariz fino. Esconda essa acne. Sorria. Perca peso. Não coma. Exercite. 400 calorias? Use cinta. Sorria. Pinte seu cabelo. Grande. Liso. Macio. Brilhante. Reto. Perfeito. Cabelo ruim. Cacheado. Alto. Não pode. Sorria. Estude. Vá para a escola. Seja brilhante. Aprenda. Acumule conhecimento. Utilidade? Apenas estude. Sorria. Agrade. Não fale muito. Não fale nada. Seja gentil. Não discorde. Opiniões? Não. Seja uma moça e Sorria. Sorria. Use roupas caras. Salto alto. Vestido apertado. Sem barriga e celulites. Sorria. Vá para festas. Agrade. Seja alguém. Beba. Não beba. Não coma. Dance. Saiba dançar. Saiba beijar. Garotos. Sorria e pense em garotos. Agrade garotos. Seja bonita. Não pense muito. Não seja alguém. Seja algo e Sorria. Seja um robô. Seja perfeita. Seja infeliz. O infeliz é belo. O infeliz é poético. Seja poética. Seja romântica. Não viva. Sorria. Sobreviva. Não atrapalhe. Não fale. Não respire. Não sorria. Não seja. Não exista. Morra e sorria.

Metafísica

Lamentos lúgubres noturnos e constantes.
Vivo numa grande peça de teatro com passos ensaiados sobre escolhas e destinos melancólicos de um pobre alguém. Uma peça em que sou o produtor, ator e a plateia, onde por trás de seu grande sucesso existem boatos e segredos moribundos. Uma peça em que seu desenvolvimento se torna tão melancólico que só há um possível desfecho devido à indubitável morte física de meu alguém. Meu alguém que nasceu, morreu, renasceu e desmorreu inúmeras vezes ao longo de sua surpreendentemente previsível vida.
Vivo uma espécie de hospital mental durante uma crise incessável de loucura entre seus pacientes. Um surto de calmaria e desespero, lucidez e insanidade. Diários gritos de desespero que, ao passo que me surdam, são taciturnos.
Vivo em uma luta marcada por antíteses que completamente coerentes apenas em seus significados mais profundos, mas que por fora, me completam de incertezas. Lutas agoniantes de mim para mim que me incham de nadas e vazios.
Vivo vidas e realidades, sonhos e pesadelos, calmarias e tempestades. Vivo, mas não vivo. Minha mente vaga de sonho em sonho alternando realidades paralelas à procura de alguma que gere identificação ou sentido em minha vida física. Não vivo, sobrevivo através de meu nomadismo mental. Não sou algo além de metafísica. Não vivo em nada que necessite qualquer resquício de concretização maior que a pura essência de minha alma e mente que viaja dentro de si mesma.

Sou apenas meu alguém dentro de meu teatro. Sou meu próprio paciente sendo cuidado por mim. Sou meu lutador. Minha plateia. Sou meu governo. Meu pão. Meu circo. Sou tudo e nada. Vivo meu mundo dentro de mim.  

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Tristeza.

Tristeza. Tristeza por todos os lados formando um vasto e invisível oceano que afoga todos os resquícios de alegria que ousam chegar perto de minha mente. Quem sou eu? O que sou eu? Não posso afirmar. Não posso afirmar se me conheço nesse globo de imperfeição e melancolia producente de um sulco negro que me tornei. O que fui? Perdeu espaço há um longo tempo neste corpo por uma enorme mancha escura e sem nome. Tornei-me sem identidade. Vazio por fora e por dentro. Um interior tão frio e seco que a evidência mínima de um sentimento que revela-se por lá corta-me as paredes com feridas dúbias. E essa grossa, negra e anonima mancha que apodera-se de meu interior possui uma baixa e pesada voz em que compartilha seus mórbidos pensamentos comigo, mim mesmo e mais ninguém. Minha mancha e eu. Acumulando histórias a serem cuspidas pela tão esperada visita da morte sob nosso frio e duro corpo. 

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Tortura.

Sorrir e chorar sem na verdade o fazê-lo. Particularmente, não sei mais sentir, e não sei se isso é algo bom. Quando sou devastada por emoções, não são emoções gostosas de se ter. Angústia, raiva e sensações deploráveis me afogam quando meu corpo decide avisar que ainda sente. Como se eu fizesse parte de um jogo sádico e masoquista em que meu próprio corpo é o ditador. Me sinto fraca. Não tenho forças para me manter em pé ou sentir prazer. Meus olhos se afundam mais a cada pensamento de que talvez, bem talvez, eu poderia viver de verdade. Minha própria mente pessimista espanca a ideia de que eu talvez, bem talvez, poderia procurar ajuda e sorrir com todos os dentes sempre que ela insiste em visitar meus pensamentos. Nenhuma pessoa a minha volta conseguiria me transmitir uma sensação tão terrível torturando-me como meu próprio eu me tortura. Mas está tudo bem porque eu continuarei assim, forçada por mim mesma a seguir nessa linha reta e espinhosa em que o final de seu destino é o suicídio. Dando continuidade a essa convivência melancólica de mim, com quem mais temo. Eu.